O Compasso Pascal é uma das tradições mais enraizadas e singulares da celebração da Páscoa em Portugal, mantendo-se particularmente vivo nas comunidades rurais. Esta prática religiosa consiste na visita do pároco, acompanhado por alguns assistentes, a todas as habitações da freguesia para abençoar as famílias e os seus lares, levando a alegria da Ressurreição de Cristo a cada lar cristão.
As origens do Compasso remontam à Idade Média, desenvolvendo-se como uma extensão natural da liturgia pascal. O termo “Compasso” deriva provavelmente do latim “compassare” (passar por) ou do gesto ritual de traçar uma cruz com o crucifixo nas portas das casas. Este costume simboliza a visita de Cristo ressuscitado ao seu povo, à semelhança do que fez com os discípulos no caminho de Emaús.
Na preparação para o Compasso, as famílias dedicavam especial cuidado a limpar e enfeitar suas casas. Colocavam toalhas brancas sobre mesas onde dispunham uma cruz, água benta e, por vezes, alimentos como pão, vinho ou ovos – elementos que seriam posteriormente abençoados. Esta preparação reflectia o profundo respeito pelo sagrado e a importância atribuída a este momento.
A chegada do Compasso era um acontecimento marcante. O sacerdote, acompanhado por sacristãos e por vezes por uma cruz decorada, percorria as ruas da localidade entoando cânticos pascais como “Cristo Ressuscitou”. O ritual incluía a aspersão de água benta sobre os presentes e os espaços da casa, o traçar de uma cruz com o crucifixo na porta ou mesa preparada, e a leitura de uma passagem evangélica alusiva à Ressurreição. Era comum os fiéis beijarem a cruz do Compasso como expressão de fé, e em algumas regiões o pão bento era depois guardado como proteção contra intempéries ou doenças.
Esta tradição assumia particularidades regionais dignas de nota. No Minho, o Compasso incluía por vezes um andor com a imagem do Ressuscitado e as famílias ofereciam vinho verde e broa. No Alentejo, cantavam-se loas a Cristo Ressuscitado e as casas adornavam-se com alecrim. Nos Açores, as visitas prolongavam-se por vários dias, incluindo o intercâmbio entre paróquias vizinhas. Na Beira Alta, era habitual as crianças receberem amêndoas doces após a bênção.
Do ponto de vista teológico, o Compasso encerra profundos significados. A água benta recorda o Baptismo e a vida nova em Cristo; a presença do sacerdote une a Igreja institucional às famílias na mesma fé; e a cruz marcada nas portas afirma que aquela habitação pertence a Cristo. Frases como “A paz de Cristo ressuscitado entre nesta casa!” ou “Esta cruz benta guarde esta família de todo o mal” ecoavam durante as visitas, reforçando o carácter sagrado do momento.
Nas sociedades urbanas contemporâneas, o Compasso sofreu adaptações, reduzindo-se por vezes a visitas marcadas a prédios ou mesmo a bênçãos transmitidas online. Contudo, em muitas aldeias do interior português, mantém-se o ritual completo, com todo o seu colorido e significado original. Curiosamente, persistia a crença de que as casas não visitadas pelo Compasso ficariam desprotegidas durante todo o ano, o que levava até os menos religiosos a participar nesta tradição.
Mais do que um simples costume folclórico, o Compasso Pascal constitui um sacramental que liga intimamente a liturgia da Igreja ao quotidiano das famílias, renovando anualmente a fé na vitória de Cristo sobre a morte e afirmando a dimensão comunitária da celebração pascal. Esta prática centenária continua assim a testemunhar a vitalidade do catolicismo popular português e a sua capacidade de adaptação aos tempos modernos sem perder a essência espiritual que a caracteriza.