Guião Espiritual Peregrinar com os Salmos – Dia 0 

INTRODUÇÃO

Gianfranco Ravasi

Os Salmos são, basicamente, poesias profundamente marcadas pela colorida e exótica linguagem oriental, carregada de símbolos e ligada a formas literárias características. 

É significativo, por exemplo, o chamado paralelismo, segundo o qual um conceito é repetido duas ou três vezes, de forma diferente, mas análoga. Além disso, as imagens elevam-se até aos Céus onde o Senhor reina, ”envolto de luz como de um manto” para, depois, descer até ao Sheol, o país dos mortos, os infernos, o Abismo, povoado de espectros e mergulhado no silêncio. 

O olhar dos salmistas fixa-se nos imponentes cedros do Líbano, que se elevam, altíssimos, no céu sempre limpo do Oriente, mas também no hissopo, planta rasteira, que desponta entre as pedras dos muros. 

Toda a Terra Prometida é descrita com todas suas paisagens geográficas e sociais: desde o mais terrível, o furacão que arrasa as florestas, desde as regiões desérticas, desde os animais e os acontecimentos históricos nacionais, até à cena deliciosa de uma mãe com o seu filhinho nos braços.

Os Salmos são poesias para cantar e acompanhar musicalmente durante a liturgia, são orações corais a executar ao som de melodias já conhecidas na época e indicadas nos títulos colocados como abertura de muitas composições do Saltério.

O templo e o culto comunitário constituem o coração do Livro dos Salmos que assim também se torna o texto da oração oficial de Israel e «eclesial» do cristianismo.

Os Judeus dividiram o Saltério em cinco livros ou coletâneas (cf. Sl 1-41; 42-72; 73-89; 90- 106; 107-150): de tal modo que, às cinco grandes «palavras» pronunciadas por Deus na Tora, isto é, os cinco primeiros livros da Bíblia (Gn, Ex, Lv, Nm e Dt) correspondem as cinco «palavras» de resposta do Israel fiel. Nasce assim o diálogo Deus e o Homem. Palavra de Deus e palavra do Homem encontram-se; a primeira encarnando, a segunda, divinizando-se.

Em seguida, os Salmos abrem-se de par em par sobre a existência humana, sobre os lutos e sobre festas, sobre a política e sobre os afetos íntimos; o rumor dos caminhos e das cidades atenua-se, mas não se extingue, quase como se fôssemos introduzidos num ermo silencioso em que tudo se cala e tudo é esquecido. Estes textos, que abarcam um intervalo de quase mil anos da história de Israel, não só são um modelo de oração, mas também de vida.

Da mesma forma que uma folha, observada à transparência, revela uma nervura que alimenta e sustenta o tecido conjuntivo a compõe; do mesmo modo, os Salmos enervam-se na vida sem a esvaziar do seu realismo concreto, mas sustentando-a e alimentando-a. A mística que deles brota não é evanescente nem genericamente espiritual, mas tem paladar, sangue, corpo, tal como, precisamente, a pessoa que vive no quotidiano.   

Os Salmos são, portanto, o espelho daqueles procuram Deus com coração sincero no interior da sua história. O próprio Credo de Israel não é uma sequência de artigos de fé abstratos, mas de ações que Deus realizou ao longo dos séculos, em favor do seu povo.  A fórmula mais completa de fé e a forma mais elevada de oração, na Bíblia, consistem em reconhecer professar e meditar as  grandes obras de Deus (Salmos 78, 105 e 106).

Os itinerários de oração que os Salmos oferecem estão ligados, portanto, ao caminho humano, às nossas horas e àqueles trechos da história humana que devemos percorrer e nos quais devemos descobrir a presença do Deus-Emanuel.

Tentemos, então, seguir as suas pistas principais ao longo desta Peregrinação

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